Bretton Woods II e a Fronteira Tecnológica Global-FTG 2.0 publicado em 11.08.2008
Temos convivido, desde setembro de 2007, com uma série de fatos (calote no mercado imobiliário americano, quebra de bancos internacionais, aumento dos preços do petróleo, retorno da inflação, etc., etc.) que concorrem para a crença de que o mundo está atravessando uma séria crise econômica com desdobramentos que se assemelham àqueles dos anos 30 do século passado. E não faltam catastrofistas de plantão (lá fora e aqui no Brasil) para reforçar esta crença.
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Próxima edição:
Um Manual de Comércio Internacional em Serviços publicada em 19.08.2008 Segundo a apresentação do Vice-Presidente Sênior do Banco e seu Economista Chefe, François J. Bourguignon, o desempenho do setor de serviços é vital para o crescimento econômico e para a redução da pobreza nos países em desenvolvimento. E isso é assim diretamente, porque os serviços já são uma grande parte (se não a maior parte) de suas economias...
Edição anterior:
Teorias do Comércio Exterior a partir de empresas heterogêneas (parte 2) publicada em 04.08.2008
Na
letterícia passada, vimos que recentes fatos do comércio exterior têm
contribuído para avanços na Teoria do Comércio Internacional. De modo
particular, o foco tem se deslocado do tratamento dos países e indústrias
para a análise da empresa e seus produtos.
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cinco a seis anos, estamos muito longe de caminhar para uma catástrofe financeira que leve a um caos no ordenamento econômico mundial. E a matriz de raciocínio que dá suporte a este posicionamento vem se denominando a tese Bretton Woods II. E, em segundo lugar, queremos afirmar que a tese Bretton Woods II está na base do que estamos chamando de Fronteira Tecnológica Global-FTG 2.0.
A tese Bretton Woods II foi chancelada recentemente pelo Prof. Paul Krugman, da Universidade de Princeton, nos EUA, um dos mais respeitados economistas mundiais de sua geração, e que esteve no Brasil para falar sobre a Crise Internacional. Esta tese foi sugerida por três outros economistas, Michael Dooley, David Folkerts-Landau e Peter Garber, que escreveram um artigo muito interessante em 2003, intitulado “Um Ensaio sobre o Revivido Sistema Bretton Woods” (os interessados podem baixar o texto no seguinte endereço eletrônico: http://ideas.repec.org/p/nbr/nberwo/9971.html).
O argumento central do artigo é a seguinte. O surgimento de uma região periférica de câmbio fixo na Ásia re-estabeleceu os Estados Unidos como o país central no sistema monetário internacional de Bretton Woods (só para recordar, este sistema foi estabelecido em 1944, na cidade de Bretton Woods, New Hampshire, EUA, quando 730 delegados de 45 nações aliadas concordaram em regular a ordem monetária e financeira internacional após o término da II Guerra Mundial, criando o Banco Mundial-BIRD, o Fundo Monetário Internacional-FMI, e o Acordo Geral de Tarifas e Comércio-GATT, que em 1995 virou a Organização Mundial do Comércio-OMC. Sob este sistema moedas estrangeiras eram atreladas ao dólar em paridades fixas, e o dólar era atrelado ao ouro. Tal sistema foi abandonado no início dos anos 70 do século passado, quando os governos perceberam que as garantias de conversão das moedas a taxas fixas não eram mais críveis).
Os autores argumentam que a evolução normal do sistema monetário internacional envolve a emergência de uma periferia cuja estratégia de desenvolvimento é a de crescimento baseado em exportações suportado por taxas de câmbio desvalorizado, controle de capitais, e fluxo externo de capitais na forma de acumulação de reservas em ativos no país central (EUA). Para eles o sucesso desta estratégia em incrementar crescimento econômico permite à periferia sua “graduação” para “o centro” (a Europa e o Japão, praticamente destruídos com a II Guerra Mundial, constituíram a primeira periferia do modelo). A liberalização financeira, por seu turno, requer taxas de câmbio flexíveis entre os países centrais. No entanto, continuam os autores, há uma linha de países esperando seguir a Europa dos anos 50/60 e a Ásia de hoje, que é suficiente para manter o sistema intacto por um futuro previsível.
Observando o cenário internacional recente, e utilizando esta tese como base, é possível descrever o seguinte rol de acontecimentos. Após a crise asiática de 1997, muitos países daquela região adotaram uma estratégia baseada no atrelamento de suas moedas ao dólar (*), formal ou informalmente, e na acumulação de reservas internacionais. O excedente dos superávits comerciais dos asiáticos passou a ser aplicado na compra de títulos públicos do tesouro americano. Através deste arranjo, os países da Ásia passaram a financiar os déficits americanos, e o vêm fazendo mesmo com rendimentos inferiores às taxas que existiam antes que a crise do mercado imobiliário americano emergisse (o economista Nouriel Roubini, mesmo crítico da tese Bretton Woods II, lembra que, ao lado os asiáticos neste processo, estão os países do Gulf Cooperation Council-GCC: Yemen, Arábia Saudita, Kuwait, Bahrain, Qatar, Emirados Árabes, Sultanato de Oman).
Para os autores a economia mundial se divide atualmente em três zonas principais: uma zona de Trade Account, localizada na Ásia; uma zona de Capital Account abrangendo a Europa, o Canadá e a América Latina; e uma Economia Central – os EUA. De forma sucinta, o comportamento de cada uma é o seguinte: a) A zona de Trade Account da Ásia tem tido como preocupação principal assegurar a exportação para os mercados exteriores à região, nomeadamente para os EUA, sendo as exportações vitais para o crescimento desta zona; para assegurar um fluxo crescente de exportações os países da zona adotam políticas de intervenção nos mercados, com o objetivo de “manejar” as taxas de câmbio a fim de limitar a sua eventual apreciação; b) A zona de Capital Account abrange a Europa, o Canadá, a Austrália e grande parte da América Latina e é caracterizada pela opção em favor da flutuação das suas moedas. Os seus Bancos Centrais pouco intervêm nos mercados e poucas variações tiveram nas suas reservas cambiais. Os seus investidores privados preocupam-se com o risco/rendimento dos seus investimentos e têm vindo a manifestar preocupação pela exposição da sua carteira a ativos titulados em dólares. O investimento privado da América Latina reveste, sobretudo, a forma de “fuga de capitais”, enquanto no caso da Europa e do Canadá se concretiza sob a forma de investimento direto de empresas e investimento de carteira de investidores institucionais; c) A terceira zona é constituída pelo País Central – os EUA- que funciona como intermediário do sistema. Os EUA optam pela flutuação da sua moeda, não procuram “manejar” a sua taxa de câmbio, não acumulam reservas oficiais e as motivações de investimento fazem dele um país de Capital Account. Mas, por outro lado, as suas preocupações de crescimento aproximam-no das preferências de um país da zona Trade Account.
Em resumo, os autores defendem que mesmo com os recentes acontecimentos no cenário internacional, este sistema Bretton Woods II (um Bretton Woods revivido) irá continuar a gerar baixos níveis de taxas de juros nos mercados internacionais e crescimento nos países emergentes, que fazem com que o espalhamento dos problemas de um segmento do mercado dos EUA para um colapso dos preços dos ativos seja algo muito menos provável.
O segundo aspecto a ser aqui tratado é o da Fronteira Tecnológica Global-FTG. A conformação do sistema Bretton Woods se deu de forma simultânea à estruturação de um sistema global de Ciência, Tecnologia e Inovação, que teve os EUA como seu País Central. Em 1944 o Presidente Roosevelt solicitou ao Engenheiro Vannevar Bush recomendações sobre o que poderia ser feito para que o mundo conhecesse as contribuições feitas durante o esforço de guerra (marcadamente a tecnologia da energia atômica) para o conhecimento científico. Em resposta, Vannevar Bush apresentou, em 1945, o relatório “Science: The Endless Frontier” (Ciência: A Fronteira Sem Fim), que representou um marco definitivo nas relações entre Governo e Ciência no pós-guerra, e definiu uma era de ouro na pesquisa científica, com a criação de um modelo virtuoso de produção e difusão de Ciência, Tecnologia e Inovação, com instituições-padrão, tais como a National Science Foundation-NSF, criada em 1950, e depois, em 1958, com a National Aeronautics and Space Administration-NASA. Deste modo, não é precipitado afirmar que o sistema Bretton Woods ajudou a consolidar uma FTG, uma vez que não se faz Ciência, Tecnologia e Inovação de fronteira sem uma sólida base econômica de sustentação, dando suporte tanto às instituições existentes (como Universidades e Centros de Pesquisa) quanto novas (particularmente às empresas privadas com seus laboratórios de pesquisa).
Esta FTG só encontrou algum paralelo no sistema desenvolvido pela ex-União Soviética, a partir do seu aparato aeroespacial e bélico, mas que começou a mostrar fragilidade nos anos 80 do século passado. Neste mesmo período, emergiu um fato novo, quando o Japão (então graduado de periferia para o centro do sistema Bretton Woods, como previsto na tese Bretton Woods II) passou a competir com os EUA em temos da produção e comercialização de bens intensivos de tecnologia, tais como automóveis e eletrodomésticos.
No entanto, o que queremos afirmar é que, em sintonia com a tese Bretton Woods II, a graduação da periferia para o centro da FTG só se manifesta em sua totalidade quando são emancipados, de forma articulada, o seu sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação com o seu sistema financeiro. A razão é simples. As restrições financeiras previnem países pobres de obterem vantagens integrais da transferência de tecnologia, e que isto é o que causa alguns deles divergirem da taxa de crescimento da FTG. Ou seja, em teoria países acima de algum limite de patamar de desenvolvimento financeiro irão convergir para a mesma taxa de crescimento econômico de longo-prazo (mas não geralmente para o mesmo nível de PIB per capita), e aqueles abaixo deste limite terão taxas estritamente mais baixas de crescimento de longo-prazo.
Neste modelo existem três componentes importantes. Primeiro, ele começa com o reconhecimento que a transferência de tecnologia é custosa. Segundo, assume que como a FTG avança, o tamanho do investimento requerido somente para manter a inovação no mesmo passo que antes, cresce em proporção. E terceiro, existe um problema de “agência” (em Economia isso está ligado a uma questão de informação assimétrica, entre aquele interessado em uma ação econômica, o Principal, e aquele que a implementa, o Agente) que limita o acesso de um inovador à finanças externas. Em resumo, como o sistema Bretton Woods II reforça a FTG (e esta reforça o primeiro), é fácil perceber que ele re-introduz os EUA no centro do sistema global de Ciência, Tecnologia e Inovação, caracterizando, por sua vez, o que chamamos de FTG 2.0. Em outras palavras, o sistema criado a partir de 1944, e que deu margem à emergência da FTG, não evolui; ela apenas é revivido e, ocasionalmente, recarrega a periferia.
(*) É oportuno registrar que estes países aderiram a um regime de câmbio nominal fixo, e não a um regime de câmbio real fixo, como bem aponta (ressaltando as implicações desta diferença) o Prof. Afonso Celso Pastore (e outros), em artigo intitulado “Câmbio e crescimento: o que podemos aprender?”, no livro “Brasil Globalizado: O Brasil em um Mundo Surpreendente”, organizado por Octavio de Barros & Fabio Giambiagi, Editora Campus, 2008.
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