Há duas semanas apontamos que os paradigmas macroeconômicos prevalecentes até a Grande Recessão de 2008 largamente ignoraram a possibilidade de considerar desenvolvimentos financeiros como guias de desempenho econômico. Reconhecendo que recentemente o “Digital Is Eating Finance” (ou seja, que a dimensão digital da vida econômica está dominando a dimensão financeira), nós da Creativante (bem como do Grupo de Finanças Digitais da UFPE) iniciamos uma investigação que pudesse incorporar as Finanças Digitais como um dos novos guias para o desempenho econômico.
E foi assim que chegamos à identificação, de um lado, de um arcabouço de Macrofinança, e de outro lado de um arcabouço de Liquidez Global. Uma vez que tratamos deste segundo arcabouço na semana passada, nesta newsletter concentramos nossa atenção no arcabouço da Macrofinança, ou seja, aquele que vem sendo sugerido pelo Prof. Markus Brunnermeier, da Princeton University (EUA), sistematizado na Figura 1 à frente. Nossa proposta de paradigma macroeconômico introduz a dimensão das Finanças Digitais no modelo da Figura 1, tal como representado na Figura 2 à frente.
Mas quais são as premissas principais deste arcabouço da Macrofinança? Os estudos da Macrofinança examinam como as finanças impactam a Macroeconomia. Este campo atingiu nova proeminência depois da crise financeira global, apesar de suas raízes remeterem à história do pensamento econômico. A Macrofinança lida com grandes questões em macroeconomia, crescimento e eficiência, bem como com a estabilidade do setor financeiro. Ela incorpora muitos modelos e análises empíricas (1).
Todos os modelos envolvem uma análise de equilíbrio dinâmico geral. Na maioria dos modelos macrofinanceiros com fricções financeiras e agentes heterogêneos a distribuição de riqueza importa. Na realidade, participações na riqueza são importantes variáveis de estado. Logo, a desigualdade é também uma importante preocupação de política para a macrofinança, além do crescimento e da estabilidade (1).
A Macrofinança é uma ampla “catedral” que toca na maioria dos subcampos da Economia e das Finanças. Em Finanças, é fortemente conectada com precificação de ativos, intermediação financeira, aspectos corporativos, famílias, e finanças comportamentais. Em Economia, a superposição com Economia Monetária e Finanças Públicas é possivelmente a maior (1).
Todo o arcabouço do Prof. Brunnermeier repousa, como já registramos na newsletter intitulada Safe Assets (Ativos Seguros) (Parte 1) e publicada em 08/07/2024, na sua Teoria de Ativos Seguros que se baseia em sua “I Theory of Money”, ou seja, uma teoria da moeda que dá um lugar de destaque aos intermediários financeiros. Segundo o Prof. Brunnermeier, instituições financeiras são aptas a criarem moeda – quando elas fazem empréstimos aos negócios e aos compradores de imóveis, elas creditam os tomadores com depósitos, e desta forma criam inside money (moeda interna ao sistema bancário). Criação de moeda por intermediários financeiros depende crucialmente da saúde do sistema bancário e da presença de oportunidades lucrativas de investimento.
O enfoque do Professor difere em formas importantes daquele do proeminente enfoque Novo Keynesiano e do enfoque Monetarista. O enfoque Novo Keynesiano enfatiza o canal da taxa de juros. Ele estressa o papel da moeda como uma unidade de conta e considera rigidezes em preços e salários como as fricções chave. Rigidez de preço implica que uma diminuição da taxa nominal de juros também reduz a taxa real de juros. As famílias consomem e projetos de investimento se tornam mais lucrativos.
Em contraste, a I Theory estressa o papel da moeda como uma reserva de valor e o canal distributivo da política monetária. As fricções chave são financeiras. Preços são completamente flexíveis. A transmissão da política monetária opera primariamente através de ganhos de capital, tal como no canal da precificação de ativos. Como os ativos são mantidos assimetricamente no contexto da teoria, a política monetária redistribui riqueza e, portanto, mitiga problemas de dívida pendente. Em outras palavras, ao invés de enfatizar o efeito substituição de mudanças nas taxas de juros, a I Theory estressa efeitos de riqueza/renda de mudanças da taxa de juros.
Há muitos outros detalhes deste novo arcabouço proposto pelo Prof. Brunnermeier. No momento, gostaríamos de enfatizar que nosso papel é demonstrar a viabilidade de inserção das Finanças Digitais nos dois arcabouços aqui apontados, tal como indicado na Figura 2 à frente. Esta inserção, que muitos já reconhecem como a “digitalização do setor financeiro”, é um caminho sem volta.
Nossa tese aqui na Creativante, a de que o “Digital is Eating Finance”, expressa-se a partir da convergência de três ecossistemas financeiros baseados em plataformas digitais: o CeFi – Centralized Finance, o DeFi – Decentralized Finance, e o PlatFi – Platform Finance, apontado na Figura 3 à frente. Dos intermediários financeiros indicados pelo arcabouço da Macrofinança, os bancos e os “não-bancos” (ou seja, non-bank financial institutions, tais como bancos de investimento, companhias financeiras, seguradoras, fundos de pensão, empresas de private equity, e outros intermediários) são os que mais estão atuando para estabelecer pontes entre a economia tradicional (CeFi) e o mundo descentralizado da criptoeconomia (DeFi) em conjunto com as plataformas digitais e empresas de tecnologia (PlatFi), integrando aspectos financeiros relevantes tais como compliance, liquidez e flexibilidade.
No entanto, algumas questões chave ainda precisam ser melhor entendidas para que as tais pontes acima referidas sejam mais efetivas e transparentes, e que possam guiar o desempenho econômico com mais facilidade. Uma delas é a seguinte: como é que se estabelece liquidez num mundo de mercados tokenizados? Eis aqui um desafio para a próxima newsletter!
Se sua empresa, organização o u instituição deseja saber mais sobre a nova arquitetura do sistema financeiro internacional, não hesite em nos contatar!
- Brunnermeier, Markus et. al (2025). Lectures on Macro, Money and Finance: A Heterogeneous-Agent Continuous-Time Approach.
Figura 1 – MacroFinança

Fonte: Brunnermeier (2024)
Figura 2 – MacroFinance and Digital Finance

Fonte: Brunnermeier (2024) elaborado
Figura 3 – Digital Finance Ecosystems

Fonte: Grupo de Finanças Digitais da UFPE (2023)