De acordo com a nova arquitetura do sistema financeiro internacional, de alguma forma sintetizada nas três sucessivas newsletters anteriores, vivemos hoje num mundo onde a liquidez global é um dos principais determinantes dos ciclos econômicos. Mas o que significa a liquidez global?
Liquidez e Solvência são duas métricas financeiras críticas para avaliar a habilidade de uma companhia realizar suas obrigações, mas elas focam em diferentes horizontes de tempo e aspectos da saúde financeira. Liquidez se refere à habilidade de uma companhia realizar suas obrigações de curto prazo. Ela mede quão fácil uma companha converte seus ativos em dinheiro para pagar seus passivos em um ano. Solvência, por outro lado, refere-se à habilidade de uma companhia realizar suas obrigações no longo prazo. Ela mede a estabilidade geral da companhia e sua capacidade para sustentar operações no futuro.
A liquidez de uma companhia e a liquidez de um país são dos conceitos relacionados, mas distintos, cada um refletindo diferentes aspectos dos sistemas financeiros. Enquanto a liquidez de uma companhia se refere às suas obrigações de curto prazo usando ativos líquidos, a liquidez de um país se relaciona com a facilidade geral com a qual seus ativos podem ser convertidos em dinheiro no seio de uma economia nacional.
Como estamos convivendo com um mundo em que os mercados de capitais globais funcionam primariamente como mecanismos de refinanciamento de dívidas, onde crises emergem a partir de “collateral shortages” (carências de garantias, isto é safe assets – ativos seguros) mais do que “mis-pricing” (precificação incorreta), precisamos cada vez mais repensar nosso enfoque para a estabilidade financeira (através de bancos centrais e gestão de risco, principalmente), e isso nos remete a prestarmos mais atenção aos movimentos dos fluxos financeiros globais, ou seja, focarmos nossa atenção na liquidez global.
Ao mesmo tempo em que evidenciamos essa “nova arquitetura”, alguns de seus players estão preocupados em definir como será a próxima geração do sistema monetário e financeiro internacional. De acordo com o BIS – Bank for International Settlements (1), o banco central dos bancos centrais, a tokenização de ativos representa uma inovação transformadora tanto para melhorar o antigo quanto capacitar o novo. Ela pavimenta o caminho para novos arranjos em pagamentos transfronteiras, mercados de títulos e sistema financeiro.
Além disso, as plataformas de tokenização com reservas de bancos centrais, moedas de bancos comerciais, e títulos de governos no seu centro podem pavimentar as bases para a próxima geração de sistemas monetário e financeiro. As stablecoins, segundo o BIS (1) oferecem algumas das promessas em tokenização, mas elas carecem dos requisitos para serem o alicerce do sistema monetário quando confrontadas contra três testes chave de singleness (unicidade), elasticity (elasticidade) e integrity (integridade) (1).
E o que dizer sobre a liquidez nesses mercados tokenizados? Os mercados tradicionais, de um lado, atestam que a liquidez não emerge naturalmente das interações de emissores e investidores, e não pode ser sustentada por suas atividades. Ela, sim, deve ser criada pelos market-makers (fazedores de mercados) e sell-and buy side firms (empresas de venda e compra) usando crédito “colateralizado” (com garantias) e empréstimos de ativos para tomarem posições e aumentarem o valor de seus trades. Logo, a provisão de liquidez por intermediários é essencial.
Como os mercados não fabricam liquidez sem ajuda, ou seja, ela deve ser criada por especialistas intermediários, os mercados baseados em blockchain (ou tokenizados), por outro lado, também contam com intermediários. Especialistas, incluindo exchanges (casas de câmbio) e seguradoras ajudam a gerar liquidez ao vencerem a confiança dos emissores e dos investidores (2).
Fundos de mercado de moeda tokenizados fomentam liquidez ao proverem uma forma de cash (dinheiro) rendendo juros e dinheiro colateralizado on-chain. As eficiências operacionais dos tokens são forçadas a encorajar atividade transacional, mas são mitigadas pelo fato de que a maioria dos tokens não é completamente “nativa”. Tokens completamente nativos desfrutam de características de liquidez múltipla, tais como “round the clock trading” (comércio 24 horas por dia), compensações instantâneas e propriedade transparente (2).
Existem várias outras características que viabilizam a provisão de liquidez nos mercados tokenizados (2). Por ora, só gostaríamos de enfatizar que a nova geração dos sistemas monetário e financeiro sugerida pelo BIS (1) está abraçando o ecossistema descentralizado dos mercados tokenizados de maneira mais rápida do que a imaginada poucos anos atrás. E tudo isso concorre para a convergência dos ecossistemas CeFi, DeFi e PlatFi que temos defendido aqui neste espaço (Figura 1 à frente), e para a inserção de tais ecossistemas das Finanças Digitais na Macrofinança tradicional (Figura 2 à frente).
Mas será que a liquidez em mercados tokenizados emerge de forma linear, ou ela pode adquirir um formato hierárquico a depender da importância dos ativos em tokenização? Eis algo a ser tratado em outra oportunidade!
Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre liquidez em mercados tokenizados, não hesite em nos contatar!
- https://www.bis.org/publ/arpdf/ar2025e3.htm
- https://bxdigital.ch/en/where-should-liquidity-come-from-for-token-markets/
Figura 1 – Digital Finance Ecosystems

Fonte: Grupo de Finanças Digitais da UFPE (2023)
Figura 2 – MacroFinance and Digital Finance

Fonte: Brunnermeier (2024) elaborado