Na newsletter da semana passada, intitulada Market Liquidity vs Funding Liquidity (Liquidez de Mercado vs Liquidez de Financiamento), apresentamos as principais características da liquidez de mercado e da liquidez de financiamento. Apontamos que a liquidez de mercado e a liquidez de financiamento são conceitos distintos, mas interconectados em mercados financeiros, porém não descrevemos como se manifesta a dinâmica entre ambos os conceitos.

A literatura econômica nos oferece um importante artigo (hoje a principal referência na temática) desenvolvido pelo Prof. Markus Brunnermeier (da Universidade de Princeton, nos EUA), intitulado “Market Liquidity and Fundity Liquidity” (Liquidez de Mercado e Liquidez de Financiamento), publicado em 2007 pelo National Bureau of Economic Research - NBER, nos EUA.

Este artigo provê um modelo que vincula a liquidez de mercado de um ativo – i.e., a facilidade com a qual este ativo é comercializado – com a liquidez de financiamento aos traders (negociantes) – i.e., a facilidade com a qual eles podem obter recursos. Traders oferecem liquidez de mercado, e suas habilidades em fazer isso dependem de suas disponibilidades de financiamento. De forma alternativa, o funding dos traders, i.e., seu capital e as margens que eles são cobrados, dependem da liquidez de mercado dos ativos.

O autor mostra que, sob certas condições, margens são desestabilizadoras e a liquidez de mercado e a liquidez de financiamento são mutuamente reforçadoras, levando à espirais de liquidez. O modelo explica as características empiricamente documentadas de que liquidez de mercado (i) pode secar de repente, (ii) tem comunalidades entre as securities (títulos), (iii) é relacionada com volatilidade, (iv) é sujeita à “flight to quality” (fuga para ativos de qualidade), e (v) se move em conjunto com o mercado, e provê novas previsões testáveis.

Sem que aprofundemos nos detalhes técnicos do artigo, podemos aqui registrar alguns aspectos das premissas do modelo. Como aponta do Prof. Brunnermeier, trading (negociação) requer capital. Quando um trader – e.g., um dealer, hedge fund, ou banco de investimento – compra uma security (título), ele pode usar a security como collateral (garantia) e toma emprestado contra ela, mas ele não pode tomar emprestado o preço inteiro. A diferença entre o preço do título e o valor da garantia, denotado como margem, deve ser financiado com o capital próprio do trader.

O modelo mostra que o funding (financiamento) dos traders afeta – e é afetado – pela liquidez de mercado de modo profundo. Quando a liquidez de financiamento é apertada, os traders se tornam relutantes em tomarem posições, especialmente posições de capital intensivo em títulos de margens altas. Isso baixa a liquidez de mercado, levando à volatilidade mais alta. Além disso, sob certas condições, baixa liquidez de mercado futura aumenta o risco de financiar um trade, logo aumenta as margens.

Para aqueles mais interessados nos detalhes, o artigo prossegue da seguinte forma. Primeiramente, o autor descreve as restrições de financiamento no mundo real para os principais ofertantes de liquidez, nomeadamente market makers, bancos e hedge funds (Seção 1). Depois ele descreve o modelo (Seção 2) e deriva seus quatro principais resultados: (i) as margens aumentam com a iliquidez do mercado quando os financiadores não podem distinguir choques fundamentais de choques de liquidez, e fundamentos têm volatilidade que variam no tempo (Seção 3); (ii) isso torna as margens desestabilizadas, levando à secagem repentina de liquidez e espirais de margens (Seção 4); (iii) crises de liquidez afetam simultaneamente muitos títulos, na maioria títulos de margens altas e arriscadas, resultando em comunalidades de liquidez e fugas para qualidade (Seção 5); e (iv) risco de liquidez importa mesmo antes que especuladores enfrentem as restrições de capital (Seção 6). Finalmente, o autor aponta como as novas predições testáveis do modelo podem ser importantes para uma nova linha de trabalho empírico que vincule medidas de condições de financiamento dos especuladores a medidas de liquidez de mercado (Seção 7).

Em resumo, ao nos depararmos com essa complexidade da Micro Finança da liquidez de mercado e da liquidez de financiamento [sem sequer levarmos em consideração que (i) a liquidez existe porque os participantes do mercado têm diferentes percepções sobre o mercado, (ii) bem como a necessidade de tratarmos a existência hoje dos mercados de ativos digitais], ponderamos como se manifesta a transição desse universo micro para o da dimensão da Macro Finança com o tratamento da Liquidez Global. Mas isso fica para outra oportunidade!

Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre a dinâmica entre a liquidez de mercado e a liquidez de financiamento, não hesite em nos contatar!