Nas últimas duas semanas estivemos apontando que o chamado “China Shock” (ou seja, o impacto da emergência da China no comércio internacional) é real, trouxe benefícios ao comércio global, mas também trouxe custos de ajuste nos mercados de trabalho (marcadamente industrial), consequências distributivas que ainda estão sendo avaliadas, e, como decorrência, mudanças profundas na estrutura produtiva das economias desenvolvidas, particularmente a dos EUA, e das economias emergentes, como a do Brasil.
Mas será que o China Shock foi o único determinante de impactos que levaram à prematura desindustrialização brasileira? Um grupo de economistas brasileiros tem se dedicado ao estudo da desindustrialização no Brasil (1). Muito embora já tenhamos referido aqui nesta newsletter ao estudo do economista Edmar Bacha em relação ao fenômeno da desindustrialização no Brasil (2), cabe aqui um exame mais detalhado utilizando um texto mais sintético deste economista (3).
Segundo os economistas referenciados, a perda de peso da indústria de transformação no PIB é um dos fenômenos estruturais mais marcantes da economia brasileira recente. Em preços constantes de 2005, entre 1995 e 2022 essa participação caiu de 15,7% para 9,8%. Logo, por que o Brasil se desindustrializou tanto? Duas hipóteses são frequentes:
“A primeira é a "doença holandesa", expressão que descreve a perda de competitividade da indústria na Holanda após a descoberta de grandes reservas de gás natural no Mar do Norte, nos anos 1970. O argumento é que uma bonança de commodities - combinada com a entrada de capitais por ela induzida - leva à valorização da taxa de câmbio. Com isso, bens industriais exportados encarecem em dólares e os importados barateiam em reais. A indústria perde competitividade nas duas pontas: exportar fica mais difícil; importar, mais barato. O resultado é a retração da produção industrial doméstica.
Essa explicação se aplica com clareza ao período de 2003 a 2011, quando o crescimento acelerado da China elevou os preços internacionais dos produtos agrícolas e minerais exportados pelo Brasil e atraiu um volume expressivo de capitais estrangeiros. O real se valorizou, as importações de bens industriais aumentaram e as exportações industriais perderam espaço. Houve reversão do processo de substituição de importações e reprimarização das exportações.” (3).
Em seguida, é apontada a segunda hipótese:
“A segunda hipótese é a da desindustrialização prematura. Aqui, a explicação não está na concorrência externa, mas no deslocamento interno da demanda. O crescimento econômico, a partir de níveis de renda mais baixos, tende a elevar proporcionalmente mais a demanda por bens industriais e serviços do que por bens agrícolas - com a indústria ganhando peso no PIB. Mas, em níveis de renda mais altos, a demanda passa a se concentrar nos serviços, reduzindo a participação da indústria. A relação entre renda per capita e participação da indústria no PIB segue uma curva em U invertido: cresce nas primeiras fases do desenvolvimento e cai quando os serviços passam a predominar. O que define a prematuridade é o ponto de virada dessa curva.” (3).
Depois de negarem as duas hipóteses acima (aconselhamos uma leitura dos textos abaixo indicados aos mais interessados), é feita a seguinte indagação:
“Se nem a doença holandesa gerada pelo câmbio valorizado nem a desindustrialização prematura associada ao crescimento da renda explicam a queda da indústria entre 1995 e 2022, o que explica?” (3).
De acordo com os autores,as hipóteses acima supõem que a indústria encolheu por perda de demanda - seja pela valorização cambial que favorece produtos estrangeiros, seja pela mudança estrutural da demanda na direção dos serviços. A pesquisa (dos autores aqui citados, grifos nossos!)segue outra direção: e se a principal causa da retração da indústria não estiver do lado da demanda, mas da oferta? A hipótese é que se trata de um fenômeno mais ligado à deficiência de oferta.
(3).
Os autores prosseguem sua argumentação da seguinte maneira:
“Nos países avançados, a produtividade da indústria tende a crescer mais do que a média da economia. Isso torna os bens industriais relativamente mais baratos e, assim, elevam sua demanda. Os preços relativos da indústria caem, mas sua fatia no PIB tende a se sustentar. Em compensação, por causa do maior ganho de produtividade, a participação da indústria no emprego total cai bastante.
Ao contrário dos países avançados, no Brasil não é só que a produtividade da indústria cresça menos do que a do resto da economia; na verdade, ela tem se reduzido ao longo do tempo, inclusive em termos absolutos. Esse declínio é um dos fatores que explicam por que, também ao contrário do que ocorre nos países desenvolvidos, os preços relativos da indústria não tendem a cair. No caso brasileiro, à tendência de deslocamento da demanda da indústria para os serviços à medida que a renda cresce parece se somar uma tendência de contração do lado da oferta: o menor crescimento da produtividade industrial tende a elevar os preços dos bens industriais, reduzindo adicionalmente a absorção interna. Essa dupla tendência contracionista ajudaria a explicar a desindustrialização precoce do país.”.
Como nova etapa do estudo do fenômeno da desindustrialização no Brasil, é informado que os autores estão pretendendo analisar “se o declínio da produtividade foi ou não compensado por salários industriais menores.” Adicionalmente, eles examinarão “se os preços ao consumidor de bens industriais cresceram mais do que os ao produtor, o que poderia indicar aumentos de impostos ou custos logísticos. A ideia é distinguir o que se deve a problemas “dentro da fábrica” e o que vem “depois da fábrica”.
Enquanto esses estudos não são divulgados, nós da Creativante nos perguntamos: o que, então, é necessário fazer para a retomada do crescimento da produtividade da indústria nacional? Precisamos reindustrializar? É este mesmo o caminho para o futuro da economia do país? E como fazer isso? Eis aqui uma agenda para discussões nas próximas newsletters!
Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre industrialização, desindustrialização e reindustrialização, não hesite em nos contatar!
- Bacha, Edmar L., Victor S. Terziani, Claudio Considera, e Eduardo A. Guimarães (2025). “Why Did Brazil Deindustrialize So Much? Testing The Dutch Disease and Premature Deindustrialization Hypotheses”. https://iepecdg.com.br/wp-content/uploads/2025/04/Why-Did-Brazil-Deindustrialize-So-Much.pdf.
- https://creativante.com.br/newsletter/2024/nem-liberalismo-nem-desenvolvimentismo-uma-visao-informacionista-do-avanco-ou-progresso-socioeconomico-parte-3
- https://valor.globo.com/25-anos/noticia/2025/04/30/nem-cambio-explica-o-encolhimento-da-industria.ghtml