Vimos na semana passada que as subidas e quedas no comércio de bens industriais entre as economias tem sido uma fonte recorrente de conflitos na economia internacional. Afinal, ao lado dos proclamados benefícios ao consumidor oriundos do comércio expandido, observamos que existem substanciais custos de ajustes e consequências distributivas, além de mudanças nas estruturas produtivas das economias.

Apontamos que a Trumponomics (economia do governo Trump, examinada na série de artigos "Os fundamentos da Trumponomics": Parte 1Parte 2 e Parte final) trouxe o papel da indústria na economia para o centro das discussões políticas e econômicas, uma vez que a mesma tem um diagnóstico do fenômeno da desindustrialização (perda de posição relativa no produto final/PIB) de sua economia (e suas consequências), e propõe uma forma de promover sua reindustrialização.

Observamos que a reemergência da China como uma grande potência econômica induziu substantivas mudanças nos padrões do comércio internacional. O chamado China Shock é real, trouxe benefícios ao comércio internacional, mas também trouxe custos de ajuste nos mercados de trabalho, consequências distributivas que ainda estão sendo avaliadas, e, como decorrência, mudanças profundas na estrutura produtiva das economias.

E quais têm sido os ganhos e perdas do China Shock para as economias em desenvolvimento como o Brasil? Na literatura econômica é possível identificar especificamente os trabalhos do economista Lourenço S. Paz, da Baylor University – Texas/EUA (1 e 2) e dos economistas Maurício Moreira e coautores (3). O primeiro observou que o vigoroso crescimento da economia chinesa, junto com seu crescente papel no comércio internacional, levantaram medos de desindustrialização entre países em desenvolvimento. Seu estudo foca no grande aumento da exposição da economia brasileira ao comércio internacional de 2000 a 2012 para avaliar os impactos do comércio no seu setor manufatureiro.

Segundo o autor, neste período a penetração da importação aumentou em 25%, e ao mesmo tempo, a penetração da importação chinesa aumentou de 3% para 20%. Usando dados de pesquisa de famílias que incorpora tanto trabalhadores formais quanto informais, as estimativas do seu trabalho indicam que a maior penetração da importação reduziu o nível de emprego, a participação do emprego na população, salário por hora, o prêmio de salário intraindústria, a participação do emprego informal.

Os resultados ao nível da indústria indicaram que uma elevação em penetração da importação tanto da China quanto do resto do mundo reduziram o nível de emprego, o salário por hora, e a participação do emprego informal ao tempo que aumentou o prêmio salarial intraindústria. Os resultados ao nível do trabalhador sugerem que a penetração da importação ao nível da indústria da China e do resto do mundo aumentou as remunerações dos trabalhadores e reduziu a probabilidade de eles serem informalmente empregados.

As estimativas ao nível de estado implicaram que as importações da China e do resto do mundo por trabalhador inicialmente reduziram o nível de emprego, salário por hora, e participação do emprego informal, mas esses efeitos foram revertidos depois de 2008. As importações chinesas por empresa tiveram um impacto negativo na participação do emprego informal e um positivo impacto na média dos anos de escolarização. Antes de 2008, as importações chinesas por empresa aumentaram a participação de trabalhadores com tanto ensino médio quanto educação superior, e o impacto líquido em ambas as participações se tornou negativo depois de 2008.

As estimativas usando importações reais por trabalhador e por empresa não impactaram os resultados do mercado de trabalho ao nível do estado. Finalmente, esses efeitos foram modulados pela intensidade do trabalho na indústria, a participação da indústria no produto interno bruto ao nível do estado, a disponibilidade de porto no estado, e a implementação das políticas da “Nova Matriz Econômica” em 2008.

Já Moreira e coautores (3) usaram o “China Shock” no Brasil como um experimento quase-natural para revisitarem o impacto do comércio na produtividade da empresa, na inovação e no emprego. Seus resultados corroboraram alguns dos achados chave da literatura da liberalização do comércio dos anos 1990s, apontando para um positivo apesar de modesto efeito do comércio na produtividade. Eles também apontaram para as relativamente modestas perdas de empregos. Eles levantaram questões, no entanto, sobre os efeitos na inovação, contradizendo as estimativas positivas dos anos 1990s. Este descasamento entre produtividade e inovação questiona a habilidade da política de comércio entregar crescimento sustentável da produtividade por si só.

Em resumo, a partir dos trabalhos examinados é possível afirmar que o China Shock teve um impacto no setor industrial brasileiro, e, de forma significativa no mercado de trabalho industrial. Mas será que o China Shock foi o único determinante de impactos que contribuiram para a prematura desindustrialização brasileira? Eis então o tema para a próxima newsletter!

Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre industrialização, desindustrialização e reindustrialização, não hesite em nos contatar!

  1. Paz, Lourenço S. 2017. "The China Shock Impact on Brazil´s Manufacturing Labor Market”. https://www.aeaweb.org/conference/2017/preliminary/paper/QkGZ44hb

  2. Paz, Lourenço S. 2019. “The Impact of the China Shock on the Manufacturing Labor Market in Brazil. IDB Working Paper Serie No. IDB-WP-01085. https://publications.iadb.org/en/impact-china-shock-manufacturing-labor-market-brazil

  3. Moreira, Maurício, Marisol Rodriguez Chatruc, Felipe Lage and Frederico Merchan. 2023. “The China Shock on Manufacturing in Brazil: Lessons on Productivity, Innovation, and Jobs”. The International Trade Journal, Volume 37, Issue 3. https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/08853908.2023.2174215