Retornamos, mais uma vez, aos trabalhos do Prof. Markus Brunnermeier, da Princeton University nos EUA. Desta feita decidimos tratar de um recente artigo seu, intitulado “The Digital Euro” (O Euro Digital), publicado como um capítulo do livro intitulado “Getting Global Monetary Policy On Track” (Trazendo a Política Monetária Global para o Bom Caminho), editado pelos economistas Michael D. Bordo, John H. Cochrane e John B. Taylor), e publicado pela Hoover Institution Press, nos EUA, em 2025.
O digital euro é uma central bank digital currency (CBDC) oferecida pelo Banco Central Europeu. E para tratar desta moeda digital, o Prof. Brunnermeier inicia seu capítulo esclarecendo o que é uma moeda digital. Para ele a moeda digital é uma moeda conectada a um ledger (registro), o qual, por seu turno, está conectado a muitos outros registros mantenedores de arquivos.
Esses registros podem ser registros de cadeia de suprimentos, registros de empresas big tech, registros de crédito, e registros de plataformas que conectam os ecossistemas tecnológicos da Amazon e da Alibaba, os quais incluem classificações de consumidores e outras informações. Tão logo esses registros sejam atualizados, um pagamento digital automático pode ser executado. Pagamentos automáticos contingentes e transações, bem como contratos inteligentes, são possíveis de serem realizados. Se esses registros são bem interconectados, a moeda digital se torna mais útil.
Uma questão emerge: quem tem o poder de controlar esse registro onde tudo é gravado, e quem pode emitir moeda? Segundo o Prof. Brunnermeier há duas visões polares. De acordo com a visão libertária do economista Friedrich Hayek (prêmio Nobel de 1974), atores privados deveriam ter o direito de emitir moeda. Diferentes formas de dinheiro privado deveriam competir umas com as outras para limitar a extração de renda e a inflação. Um desafio é que emissores de moeda privada não têm altos incentivos suficientes para investir na resiliência do inteiro sistema monetário e de pagamento. O outro caso polar é uma economia em que somente o governo é permitido emitir moeda. Bancos privados são somente permitidos de emitir demanda de depósitos na forma de moeda interna/endógena, se completamente lastreada pelo dinheiro público.
O sistema bancário de reserva fracionária (1) que conhecemos no padrão fiat é uma parceria público-privada (PPP). O governo emite moeda pública através do banco central, enquanto bancos privados podem emitir moeda interna/endógena. Mais recentemente fintechs e empresas big tech entraram no espaço financeiro ao emitirem criptomoedas. Stablecoins, as quais são atreladas a uma moeda oficial, tentam servir com instrumentos de pagamentos, mas carecem do suporte de liquidez pública – pelo menos enquanto elas não são sistêmicas.
A partir destas considerações preliminares, o Prof. Brunnermeier passa a apresentar seis características importantes para que uma CBDC (no caso, o euro digital) seja criada: a) uma CBDC que assegure a uniformidade/unicidade da moeda; b) uma CBDC que reduza a senhoriagem (lucro derivado da emissão da moeda) privada e a extração de renda; c) uma CBDC que assegure soberania monetária; d) uma CBDC que seja um catalisador para o estabelecimento de um sistema europeu de pagamento; e) uma CBDC que estabeleça um padrão de privacidade; f) uma CBDC que seja uma moeda inteligente conectada.
Sem adentrarmos nas nuances de cada uma destas características, o Prof. Brunnermeier conclui que o principal achado do seu trabalho é que uma parceria público-privada usando tanto a convertibilidade ou o enfoque regulatório criaria uma moeda digital uniforme ao longo da área do euro, e eliminaria o risco de denominação que caracterizou a crise do euro. Um euro digital poderia também ser usado para reduzir a dominância existente das companhias de cartão de crédito dos EUA. Por outro lado, ela facilitaria o uso de repressão financeira para reduzir a alta dívida soberana.
Em resumo, para o Prof. Brunnermeier as questões chave são como desenhar um euro digital e torná-lo um competidor efetivo para players privados; quanto de juros deveria ser pago pagar depósitos de CBDCs; como estabelecer um registro de CBDC que ofereça privacidade suficiente; como conter as rendas do setor privado; e como preservar a estabilidade financeira em face de potenciais corridas dos depósitos privados para depósitos de CBDCs.
Estas observações são relevantes para os projetos de CBDCs ao redor do mundo, e particularmente ao Brasil, que começou seu projeto, de forma inovadora, inspirado no ecossistema descentralizado (DeFi), no entanto, parece estar abandonando este caminho. Mas isso é tema para uma outra oportunidade!
Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre moedas digitais, não hesite em nos contatar!
- O sistema de reserva fracionária é o sistema predominante de bancos usado globalmente, onde bancos são requeridos de guardar somente uma fração dos seus passivos de depósitos em reservas líquidas, tais como cash (dinheiro) em seus cofres ou balanços no banco central, e podem emprestar o restante para tomadores de empréstimos.