Mais uma vez retornamos aos trabalhos do indiano Sangeet Paul Choudary. Desta feita, apontando para um recente post seu em que ele aborda um exemplo de aplicação do enfoque do seu recente livro, que resenhamos nas newsletters intituladas Reshuffle: Who Wins When AI Restacks the Knowledge Economy (Reorganização: Quem Ganha Quando a IA Reestrutura a Economia do Conhecimento) parte 1 e parte final. O propósito de trazer este post para esta newsletter (mais longa do que as habituais) diz respeito à sua defesa do papel da arquitetura empresarial no desempenho das empresas, em forte sintonia com o modelo que desenvolvemos em nosso livro de 2015.

No post Choudary faz referência ao caso da FIGMA, que de uma tentativa de compra pela ADOBE, passou por um escrutínio regulatório (onde ambas empresas desistiram do negócio) até um IPO de sucesso, seguido por um rápido choque de realidade. A FIGMA, que teve seu início em 2012, desenvolve um editor gráfico de vetor e prototipagem de projetos de design baseado principalmente na web. A ADOBE é uma multinacional norte-americana que oferece uma ampla gama de programas, desde ferramentas de web design, manipulação de fotos e criação de vetores, até edição de vídeo/áudio, desenvolvimento de aplicativos móveis, layout de impressão e software de animação.

Choudary relata que o sucesso da FIGMA é frequentemente explicado com razões familiares: ela possibilitou colaboração em tempo real, cresceu através de forte efeitos de rede, entregou experiência de usuário superior, e rachou a adoção empresarial. Tudo isso é verdadeiro. Mas se estes foram realmente os fatores que explicaram seu sucesso, por que a ADOBE, com seus recursos e dominância, não pode simplesmente fazer o mesmo?

ADOBE, segundo Choudary, tinha o talento, o dinheiro, e o incentivo. Colaboração não é um profundo segredo de mercado, e a distribuição da empresa é uma grama caseira. Logo, as respostas para esta questão, novamente, recaem nos clichês desgastados: os incumbentes são lentos, e as startups se movem rápido; as ideias são baratas, e a execução é o diferenciador!

Choudary argumenta que estas explicações são, em uma frase - “verdadeiras, mas totalmente sem uso” – e são exemplos do que ele denomina de “teatro do consenso”. O problema do “teatro do consenso” é que o tópico termina aqui. Todo mundo sai da sala se sentindo inteligente, nenhuma pessoa tem a mínima ideia como aplicar esse novo discernimento adquirido do modo certo.

Para Choudary a verdadeira resposta deve estar em algo mais profundo. Ele começa com a bem desgastada história do sucesso da FIGMA narrada a seguir. A empresa é uma ferramenta de design hospedada na nuvem que permite múltiplas pessoas a desenharem, comentarem e interajam no mesmo projeto de design. Ela percebeu que design não era somente sobre designers, mas sim sobre como equipes inteiras colaboram em torno do fluxo de trabalho do design. Designers, gestores de produtos, engenheiros, e mesmo executivos. Ao contrário do tradicional design de software, ela trata o design como uma atividade colaborativa, multicamadas, mas do que uma tarefa solo.

Esta mudança da produtividade individual para a colaboração organizacional criou a vantagem da FIGMA ao direcionar viralidade e efeitos de rede no seio e ao longo das equipes. Quanto mais os designers usam FIGMA, mais eles puxam os não-designers. E quanto mais os não-designers o usam, mais valor ele traz para os designers à medida que o feedback é feito mais rápido. Isso se tornou o engenho de composição da FIGMA, à medida que seu uso expande ao longo de companhias inteiras e ao longo de redes de colaboração.

Mas a história não contada da FIGMA é a seguinte. De acordo com Choudary, tanto ADOBE quanto FIGMA construíram negócios de sucesso na nuvem. Mas seus enfoques não poderiam ser mais diferentes. A ADOBE se moveu de vender uma caixa de software com licenças de uma vez para vender subscrições, mas o modelo mental permaneceu o mesmo: uma poderosa ferramenta para um único usuário. O consumidor primordial, para todos os propósitos, permaneceu o mesmo – o designer.

Ao invés de meramente entregar um software de design na nuvem, a FIGMA reimaginou o design de uma atividade orientada à execução por um único player para uma atividade orientada à coordenação de múltiplos players. Tais diferenças não são triviais. E execução é importante. Mas ainda não explica bem por que não foi somente difícil – mas impossível – para a ADOBE copiar a FIGMA.

O software da ADOBE foi arquitetado para um mundo do software de desktop. O software da FIGMA foi arquitetado para a nuvem. Em outras palavras, FIGMA é nativo da nuvem, ADOBE não é. Isto não significa que ADOBE não construiu um negócio na nuvem. Ela construiu sim – e um de sucesso. No entanto, ela levou a arquitetura do seu negócio e camada do desktop para a nuvem.

Em outras palavras, ADOBE usou a nuvem como um novo canal de distribuição e um novo modelo de receita. Uma façanha nada pequena – e não o sinal de um incumbente câmara lenta lutando para executar. FIGMA, ao invés, reimaginou cada aspecto do seu negócio em torno das capacidades da nuvem.

A mais importante diferença está em como as duas companhias perceberam a lógica do trabalho de design. A lógica do design da ADOBE é construída em torno do arquivo de design (.psd, .ai) como a unidade atômica do trabalho. A lógica do design da FIGMA é construída em trono de um elemento no arquivo de design – um botão, ícone, ou estilo de tipo – como a unidade atômica do trabalho.

E como a FIGMA reestruturou a indústria inteira? A mudança do arquivo para o elemento desferiu três golpes críticos na ADOBE:

  1. Trabalho: Ela quebrou o controle da ADOBE sobre a unidade de trabalho. Os arquivos refletiam trabalho individual, não interferido entre colaboradores em estágios sequenciais. FIGMA derrubou isso ao desagregar o arquivo em elementos constituintes. Essa desagregação tornou o design em um sistema vivo, mas do que uma sequência de arquivos. Esse passo possibilitou coeditar, granular permissões, e usar updates instantâneos ao longo dos artefatos do design. O valor migrou de entregas discretas para coordenação em andamento.
  2. Organização: Ela migrou o valor e o poder da execução para a governança. No velho mundo, a unidade de valor era o ato de execução. Quem pudesse fazer o design mais rápido, entregar mais limpo, e exportar ativos melhores. Mas com elementos compartilhados e updates em tempo real, a execução é comoditizada. O que importa mais é gerenciar permissões, direitos, auditabilidade, e colaboração ao longo de um fluxo de trabalho de multiplayers. Governança se torna a nova fonte de alavancagem. Equipes de design podem agora desenhar coerentemente em escala. Isso requer governança: controle sobre como componentes são criados, reusados, evoluídos e depreciados.

Quando o valor muda da execução para a governança, os orçamentos organizacionais que pagam pelo seu software também mudam. Em ferramentas guiadas por execução, software é pago pelas equipes fazendo o trabalho – designers, engenheiros, marqueteiros – porque a ferramenta os ajuda a completar tarefas específicas mais rápido. Mas em sistema guiados por governança, o valor vem de consistência gerencial, controle, e coordenação ao longo da organização. O orçamento frequentemente muda para cima, porque a ferramenta se torna infraestrutura estratégica, mas do que uma ajuda de produtividade.

  1. Indústria: Ela erodiu o loop fechado de poder da ADOBE e mudou a estrutura da indústria. Uma vez que os elementos foram desagregados de um arquivo e individualmente endereçáveis, eles puderam se empacotados em bibliotecas compartilhadas, as quais agiram com fontes centrais de confiança reusada ao longo de arquivos e equipes.

Isso reestruturou a indústria de fluxos de trabalho baseados em arquivos, em silos, para ecossistemas interoperáveis de design. Quando FIGMA moveu o design de arquivos estáticos para elementos dinâmicos, ela reformatou a estrutura do ecossistema. Em sistemas baseados em arquivos tradicionais, o valor era criado e capturado dentro de loops fechados: arquivos em drives locais, mudanças eram rastreadas por humanos, e ferramentas eram otimizadas por propriedade e execução. A lógica dominantes era de fluxos de trabalho autocontidos: um designer editava um arquivo, exportava ativos, e os manipulava fora frequentemente usando formatos proprietários dentro de ferramentas em silos.

Mas arquiteturas ao nível de elementos desagregam o processo de design em pedaços reusáveis e modulares. Isso naturalmente dissolve a fronteira entre o lado de dentro da ferramenta e o lado de fora da ferramenta. Com componentes vivendo em bibliotecas compartilhadas e ferramentas de terceiros podem plugar em elementos atômicos do design através de APIs, a interoperabilidade era inevitável.

Esta mudança fraturou o modelo verticalmente integrado que ADOBE tinha dominado. Assim como a web modular deslocou o software desktop proprietário, a arquitetura da FIGMA possibilitou um ecossistema frouxamente componível de ferramentas, integrando ao nível de elementos individuais do design. O valor não mais é acumulado para aqueles que possuem o arquivo, mas para aqueles que coordenam o sistema através de tokens reusáveis do design, padrões compartilhados, e mecanismos de governança.

A Figura 1 à frente apresenta os fundamentos da modelagem idealizada por Choudary para explicar como a FIGMA superou a ADOBE. Em resumo, a real transformação repousa em como a coordenação ao nível do elemento reformatou a estrutura do trabalho, as fronteiras do ecossistema, e a fonte do controle estratégico.

Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre como a arquitetura das empresas afeta o seu desempenho, não hesite em nos contatar.

Figura 1 – Recriando indústrias pela desagregação e reagregação de componentes e atividades

Fonte: Choudary (2025)