Entende-se por indústria as empresas e atividades envolvidas no processo de produzir bens para venda/comércio, especialmente em uma fábrica ou área especial. Tendo emergido no mundo no século 18 a partir da Inglaterra, a indústria passou a ser o setor da economia que mais gerou valor e empregos nos séculos 19 e 20, contribuindo de forma expressiva para o crescimento e para o desenvolvimento das nações.

Não sem surpresas, subidas e quedas no comércio de bens industriais entre as economias tem sido uma fonte recorrente de conflitos na economia internacional. Afinal, ao lado dos proclamados benefícios ao consumidor oriundos do comércio expandido, estão substanciais custos de ajustes e consequências distributivas, além de mudanças nas estruturas produtivas das economias. A Trumponomics (economia do governo Trump), examinada na série de artigos sobre Os fundamentos da Trumponomics Parte 1Parte 2 e Parte final), trouxe o papel da indústria na economia para o centro das discussões políticas e econômicas, uma vez que a mesma tem um diagnóstico do fenômeno da desindustrialização (perda de posição relativa no produto final/PIB) de sua economia (e suas consequências), e propõe uma forma de promover sua reindustrialização.

Um dos assuntos mais polêmicos relacionados com o diagnóstico da desindustrialização da economia estadunidense é o chamado “China Shock” (o Choque da China), ou seja, o impacto da emergência da China no comércio internacional. De um ponto de vista intelectual, os primeiros autores a estabelecerem o “China Shock” como uma agenda de pesquisa sistemática foram os economistas David H. Autor, David Dorn, e Gordon H. Hanson (1, 2 e 3).

Ao longo de uma década de estudos os autores identificaram os seguintes aspectos do China Shock. Num primeiro momento, eles analisaram o efeito da crescente competição da importação chinesa entre 1990 e 2007 sobre os mercados locais de trabalho nos EUA. As crescentes importações causaram maior desemprego, menor participação da força de trabalho, e redução de salários em mercados de trabalho locais que sediaram indústrias manufatureiras competidoras em importação. Nas pesquisas, a competição da importação explicou um quarto do declínio agregado contemporâneo no emprego manufatureiro dos EUA. A transferência de pagamentos de benefícios por desemprego, desabilitação, aposentadoria e cuidados de saúde também aumentaram fortemente nos mais expostos mercados de trabalho ao comércio internacional.

Num segundo momento, os autores assumem uma visão mais analítica e mais prospectiva do China Shock. Inicialmente eles discutem os achados de uma rapidamente crescente literatura sobre a emergência da China que enriqueceu o entendimento do impacto dos choques comerciais nos países desenvolvidos. Eles discutem porque a longamente esperada reemergência da China ajuda a estudar os impactos do comércio nos resultados dos mercados de trabalho. Em seguida, eles desenvolvem um arcabouço teórico simples que guia a pesquisa em mensurar e interpretar esses impactos. A partir daí eles apresentam evidência sobre como choques comerciais originados na China têm afetado indústrias e plantas, mercados de trabalho que sediam aquelas plantas, e trabalhadores individuais empregados (ou formalmente empregados) naquelas indústrias e mercados locais.

Os autores sugerem que esses resultados devem nos levar a repensar os ganhos de curto e de médio prazos do comércio. Finalmente, eles argumentam que tendo falhado em antecipar quão significativos podem ser os deslocamentos do comércio, é incumbente à literatura estimar mais convincentemente os ganhos do comércio, de forma que o caso da defesa do livre comércio não seja baseado somente na teoria, mas também no alicerce da evidência que ilumina quem ganha, quem perde, por quanto, e sob que condições.

No terceiro momento, os autores avaliam a duração do China trade shock e seu impacto em um amplo leque de resultados ao longo do período de 2000 a 2019. Segundo eles, o choque “plateaued” (estabilizou) em 2010, possibilitando análise de seus efeitos por quase uma década passada sua culminação. Impactos adversos da competição da importação no emprego industrial, taxas gerais da população emprega, e renda per capita em zonas de comutação mais expostas ao comércio nos EUA são apresentados até 2019.

Ao longo de todo o período estudado, maior competição das importações implicou em uma redução na taxa de emprego da população manufatureira de 1,54 pontos percentuais, a qual é 55% da observada mudança em valor, e a absorção de 86% desta perda líquida de emprego via um correspondente declínio na taxa do emprego geral. Reduções no quadro de pessoal, que indicam migrações líquidas, registram somente para trabalhadores nascidos no estrangeiro, e nativos de 25 a 39 anos de idade, implicando que a saída/fuga dos empregos como um meio primário de ajustes às contrações induzidas pelo comércio na demanda por trabalho.

Regiões mais afetadas negativamente veem modestos aumentos nas subidas das transferências de governo, mas essas transferências tomam a forma primariamente de benefícios do Seguro Social e do Medicare. Resultados adversos são mais agudos em regiões que inicialmente tinham poucos trabalhadores com educação superior e eram mais especializados industrialmente. Impactos são qualitativamente – mas não quantitativamente – similares àqueles causados por declínio de emprego em produção de carvão desde os anos 1980s, indicando que o China trade Shock sustenta lições para outros episódios de perda de emprego localizada. A competição da importação da China induziu mudanças em renda per capita ao longo de mercados de trabalho locais que são maiores do que os efeitos de renda da heterogeneidade espacial prevista por modelos quantitativos padrão. Mesmo usando estimativas de ponta dos benefícios ao consumidor do crescente comércio com a China, uma fração substantiva das zonas de comutação parece ter sofrido declínios absolutos em rendas médias reais.

Em resumo, é possível afirmar que a reemergência da China como uma grande potência econômica induziu substantivas mudanças nos padrões do comércio internacional. O chamado China Shock é real, trouxe benefícios ao comércio internacional, mas também trouxe custos de ajuste nos mercados de trabalho, consequências distributivas que ainda estão sendo avaliadas, e, como decorrência, mudanças profundas na estrutura produtiva das economias.

E quais são os ganhos e perdas do China Shock para as economias em desenvolvimento como o Brasil? Isto é o que vamos examinar na próxima newsletter.

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  1. Autor, David H., David Dorn, and Gordon H. Hanson. 2013. "The China Syndrome: Local Labor Market Effects of Import Competition in the United States." American Economic Review 103 (6): 2121–68.
  2. Autor, David H., David Dorn, and Gordon H. Hanson. 2016. “The China Shock: Learning from Labor-Market Adjustment to Large Changes in Trade”. Annual Review of Economics Volume 8: 205-240.
  3. Autor, David H., David Dorn, and Gordon H. Hanson. 2021. “On the Persistence of the China Shock”. The Brookings Papers on Economic Activity (BPEA).